*with a little help from a friend..

Freud, além da alma – uma análise com ênfase nas primeiras descobertas psicanalíticas relacionadas ao contexto social da época.

A obra cinematográfica dirigida por John Huston, ‘’Freud, além da alma’’ narra a trajetória do pai da psicanálise, Sigmund Freud, desde sua graduação em Medicina até o desenvolvimento de suas primeiras teorias psicanalíticas. Alguns dos temas abordados no filme são: a descoberta da histeria e da sexualidade infantil e a grande influência da Medicina clássica no século XIX.

Ao relacionar o filme com a atual realidade vários aspectos mostram-se diferentes. Nota-se uma enorme resistência por parte da sociedade em aceitar uma verdade diferente daquela que haviam previamente adotado. Por este motivo, Freud encontrou imensa dificuldade em apresentar suas descobertas, como aconteceu com a histeria. A histeria – hoje classificada como uma neurose - era negada pela Medicina clássica pois, na época, era inaceitável a idéia de que o inconsciente poderia causar impactos físicos e biológicos no indivíduo. Rejeitava-se até mesmo a idéia da existência de um inconsciente, era como se todos soubessem que havia algo mais do que o puro biológico porém, recusavam-se a admitir tal idéia.

Freud, embora debochado pelos seus companheiros médicos, apresentava grande interesse em compreender o psiquismo humano portanto persistiu na sua pesquisa sobre a histeria, e adotou à doutrina de Charcot – importante nome na descoberta da Histeria – utilizando a prática da hipnose (método antes considerado ‘’bruxaria’’ pelos médicos tradicionais). A partir de então, Freud percebe que o ser humano é dividido entre o Consciente e o Inconsciente, dando início ao pensamento da Psicanálise. Entretanto, Freud nem sempre obtia sucesso e alguns de seus pacientes se recusavam a ser hipnotizados levando Sigmund a detectar outro método, o da associação livre. Inicia-se então, um trabalho onde o indivíduo a ser tratado não é hipnotizado, mas sim orientado a verbalizar tudo o que lhe vem em mente. Nascia o conceito que, posteriormente, seria identificado como ‘’Talking Cure’’. A identidade da Psicanálise era pouco a pouco construída.

Somente décadas depois estes conceitos passaram a ser considerados e a psicanálise foi então aceita como um campo clínico, método de investigação e sistema teórico. Esse longo período de resistência deve-se ao padrão extremamente científico que a Medicina adotava na época. Não aceitavam sequer a Psicologia como ciência humana pois os assuntos psicológicos eram somente discutidos em cursos de filosofia, sem distinção ou nome diferenciado e sem qualquer referência científica. Durante o século XX a Psicologia passa a ter aspecto experimental, evoluindo posteriormente para uma ciência social. É comum até hoje que não se dissocie a Psicologia da psicanálise, porém é importante saber que se diferem, a Psicologia é uma ciência e a psicanálise, uma psicoterapia.

A Psicologia, como ciência, estuda o comportamento humano e os processos da mente, a psicoterapia é o uso clínico do conhecimento obtido pela Psicologia, e a Psicanálise é a psicoterapia baseada nas teorias formuladas por Sigmund Freud, ou seja, um termo específico. A Psicologia estuda o comportamento cientificamente e transmite os resultados obtidos, já a psicanálise, por tratar da subjetividade de cada indivíduo impossibilita a adoção dos resultados obtidos como verdade absoluta pois aplicam-se à singularidade daquele indivíduo e não a um grupo todo.

A psicanálise hoje atua independente da Psicologia embora sejam comumente agregadas. As idéias desenvolvidas por Freud acerca da sexualidade e da repressão no século XIX foram alicerces de vários conceitos adotados atualmente na psicanálise. Em uma de suas mais importantes descobertas, afirmava que a sexualidade era um dos sentimentos reprimidos mais importantes do ser humano, pois tratava-se da energia motivacional primária do indivíduo. Ainda em suas investigações clínicas, Freud constatou que a causa da neurose estava inserida nos pensamentos e desejos sexuais reprimidos nos primeiros anos de vida do paciente, demonstrando que a função sexual não teria início na puberdade, e sim na infância, sendo algo inerente ao ser humano. A abordagem dada à sexualidade infantil por Freud era bastante ampla e não consistia no ato sexual em si, mas sim no vínculo afetivo construído com as figuras parentais desde o nascimento. Tal afirmação gerou grande polêmica na sociedade vitoriana da época, marcada pelo conservadorismo, moralismo e repressão. Freud foi mais uma vez debochado e ignorado ao abordar a sexualidade infantil, uma vez que, a sociedade se recusava a comentar sobre a possibilidade do ser infantil ter sentimentos sexuais, pois entendiam por esses, um significado ‘’sujo’’ relacionado à prática do ato sexual.

Era por essa repressão que Freud agia tão determinado a explorar a sexualidade, segundo ele, na infância buscávamos o afeto de um de nossos pais e o contato estimulando as zonas erógenas desenvolvidas na pouca idade, era algo inocente, essas zonas somente evoluiríam para a busca do sexo na adolescência. Desejando o total afeto de um de seus pais, o infanto viria a desejar que o outro pai desaparecesse de seu âmbito familiar e era esse sentimento que causava total repudiação e repressão por parte da criança sobre ela mesma quando se dava conta de que desejava o mal de um dos pais, surgia então o sentimento de culpa que poderia vir a originar neuroses como a histeria, como afirmava Sigmund. A teoria de Freud eliminava a idéia de culpa e pecado notavelmente presentes na sociedade da época. Propõe a aceitação dos sentimentos que se sente e dos pensamentos que dominam a mente do indivíduo como se fossem naturais de sua individualidade e não carregados de maldade, livres da definição de pecado. Não seria pecado agir de forma humana e, portanto, não há culpa em ser aquilo que se é. Porém, eliminar conceitos tão fortes na sociedade é uma tarefa lenta e trabalhosa.

Ainda hoje, embora a sociedade pregue um discurso de aceitação das diferenças, a repressão continua significantemente presente. Há uma ‘’falsa liberdade’’ que camufla a atitude repressiva em direção àqueles que agem de forma considerada inadequada perante aos bons costumes adotados em gerações anteriores. Atitudes contraditórias, como a criação de marchas e manifestações a favor da liberdade e agressões à indivíduos que exibem determinado comportamento, são noticiadas com frequência, o que demonstra que a liberdade de ser o que se é ainda não foi conquistada.

O filme ‘’Freud, além da alma’’ além de proporcionar melhor entendimento acerca do desenvolvimento das teorias do pai da psicanálise, retrata a dura luta de Freud ao confrontar as verdades de uma sociedade conservadora, que se recusava a discutir sobre o que era reprimido em cada indivíduo. A insistência de Freud e o grande aumento de casos que a Medicina clássica não explicava, eventualmente, rendeu a Freud sólidos seguidores, o que levou à um avanço em suas pesquisas, consolidação de teorias e, finalmente, à aceitação da psicanálise como teoria e método de pesquisa, fortemente presente nos dias de hoje.

0 comentários :: *with a little help from a friend..

Postar um comentário